Memórias - I


Acabei de ligar para o meu pai. Tipo uma intervenção. Ele estava num dia de cão, depois de ter bebido, gritando na casa, jogou a comida na pia. Ela, a esposa, que há algum tempo aguenta silenciosa e resiliente, me escreveu. “Cheguei fiz janta com amor e todo meu carinho olha que ele fez. Diz que minha comida não vale nada. Jogou o prato na minha cara. Não sei mais o que fazer.”

Tal e qual criança, fiquei pensando em que fazer, como fazê-lo entender. Abandono? Castigo? Ele faz 76 anos e passou uma vida legitimando essas ações de descarregar nas mulheres ao seu redor, suas próprias frustrações. Ele teve 4 mulheres das quais fez 3 delas, esposas. Teve 4 filhas... muita mulher para decepcionar. Não quero falar da minha avó, porque ela é uma mulher e tanto, que amo muito e eu nunca tive como falar com ela sobre meu pai.

E, no meio dos pensamentos e dizendo para a esposa dele que ela não merece isso, que ela poderia, sim, sair dali... Eu, então, liguei para ele. Liguei mesmo e falei um monte de coisas. Falei da bebida. Falei da minha mãe. Falei de jogar comida fora. Falei de jogar prato na cara. Falei das mulheres, das filhas, de envelhecer e ser gostoso de cuidar… ele não é um velhinho bom de se cuidar com essa atitude pra cima de quem cuida.

Falei das minhas irmãs. Ele viaja muito quando fala das filhas. “Como está a K? Como está a G? como está M?”… “Ela é biomédica e mora aqui perto de Mogi”, repetiu isso 3 vezes, como se não estivesse falando comigo. “Ela me liga e me manda mensagem todo dia, mas eu não dou muita atenção”. Eu acho que essa afirmação é imprecisa.

Ele me falou do meu primeiro aniversário. Citou o pastor Marciano de Oliveira que, segundo meu pai, disse olhando para mim que fazia 1 ano… “coitado de mim que estou do fim da vida, ela só está começando.” Não sei se isso é uma frase motivadora. 

Mas, sei que o meu primeiro aniversário foi uma zona... soube outro dia, traumatizou muita gente. Meu bolo de aniversário foi destruído e enquanto meu pai dava toda essa memória perguntei: “você se lembra do meu bolo de aniversário?” e ele respondeu: “pois é, tinha bolo para tudo quanto é lado… mas, você se lembra disso?” e eu só respondi que sim. 

Recentemente, conheci a pessoa que fez meu bolo, quando fui na casa do meu querido tio, O. portanto, perguntei e eles me contaram mais ou menos em primeira mão. Pq o trauma foi tanto que eles não queriam lembrar. E, agora, escrevendo isso me passa que talvez seja por isso que eu não goste de aniversários e deteste a hora dos parabéns!…

enfim... essa foi uma conversa densa, com meu pai, onde eu mais uma vez, precisei ser a conselheira. Não deveria ser assim... mas, agora que completei 45 e miro que estou fazendo a virada do bico do corvo que.... na minha velhice não quero ser rabugenta. 

Deus, me livra da rabugice por favor.

Quero ser uma velha engraçada que não se reprime por nada.

Era preciso ter mais afeto. Era preciso ter mais amor. “Pai, vc precisa cuidar da sua cabeça. Sua filha está internada se desintoxicando. Ela está lá há quatro meses. Eu queria ouvir de você que vc está há três dias sem beber. Queria ouvir que vc está há um mês sem beber.” 

Ele chorou, me escutou falar coisas duras. 

Ele nem precisava passar por isso, mas deu motivo, porque está maltratando a única pessoa que se dispôs a cuidar dele, ele não pode ser vil assim… digo, vil. É uma palavra difícil. mas, não pode ser.


Que noite difícil, minha gente. 

Que difícil!

Fica aí a imagem da comida jogada na pia pra registro da posteridade.

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